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sábado, 1 de setembro de 2012

Cinquenta Centavos



            Olasta França vivia bem,
seus filhos eram estudiosos e seu marido um bom homem, quando estava dentro de casa, mas fora dos limites do lar...Infiel e amante de muitas mulheres, mas conseguia manter as aparências de seu mundinho particular, sua casa. Tudo o que ele fazia não era descoberto por ser ele supervisor de uma empresa de peças automotivas e que tinha várias filiais espalhadas pelo estado, em suas viagens Romeu Talles França, fazia e acontecia, mas sua família nunca ficava sabendo de nada, para ter certeza de que nunca iria ter nenhum tipo de contratempo ele escolhia cidades com pelo menos algumas horas de distância para aprontar as suas.
            Do outro lado da cidade, Orestes Guanabeira, irmão de Olasta habitava numa favela, tinha três filhos com sua mulher, Violantina Mendes. Naquela segunda-feira algo terrível aconteceu, o dinheiro acabou. A patroa de Violantina não lhe pagara o ultimo serviço, ela fazia faxinas aos sábados e ganhava cinqüenta reais, o dinheiro era pouco, mas dava para fazer umas compras de alimento, a luz já estava cortada, por três talões em débito, a água vinha de uma ligação clandestina pela compaixão de uma vizinha e agora esta! Não havia um tostão em casa para comprar o pão e dar as crianças que iam à escola pela manhã.
            Orestes contava trinta e três anos quando este fato aconteceu; triste ele saiu de casa como fazia todos os dias, com um peso de toneladas nas costas, sem esperança de melhoras. Dentro de seu coração uma pergunta, sair para quê? Não havia dinheiro e favela é lugar em que a maioria já saiu de casa para trabalhar, seis e meia da manhã os pontos de ônibus estavam lotados de trabalhadores anônimos que seguiam para a jornada do labor diário, mas algo iria acontecer que mudaria a vida de Orestes naquela manhã, ele viu algo reluzindo no canto da calçada, ninguém havia notado, e se notou, não deu atenção devida, para todos aquele pedaço de metal era algo sem valor, mas para Orestes significava o café de seus filhos.
            Cinqüenta centavos, não mais que isso era o que havia para ser pego, ele se apressou e pegou a quantia, colocou no bolso como um troféu e foi à panificadora, Mirlena Marques era a balconista e colocou um pão a mais e era doce, a moça era grande amiga de Suellem, filha do casal e sabia que ela adorava aquele tipo de pão. O pai de família voltou para sua casa alegre levou seis pães, café e leite em pó ele tinha, açúcar também, a esposa do pobre desempregado ainda perguntou o que havia acontecido, seu marido respondeu:
            - Foi a mão do Senhor quem nos deu este pão!
            Ele contou tudo como aconteceu e aquele dia não lhe saiu da memória. Parece que aquela pequena moeda tornou-se um marco na mudança de vida do pai de família, pois no outro dia ele recebeu uma chamada em seu celular dizendo que era para comparecer na sede de uma empresa para uma entrevista, o problema é que a central da indústria ficava uns trezentos quilômetros dali, se fosse aprovado, o soldador industrial, Orestes iria trabalhar bem perto de casa, mas todo o procedimento era feito na central. Violantina teve uma idéia:
            - Vou falar com o pastor Gonçalves, ele há de dar este dinheiro para a passagem, estes 100 reais.
            Depois de recebida a resposta positiva, Orestes, que andava meio longe da igreja foi à casa do pastor, a conversa não foi demorada nem constrangedora:
            - Espero que dê tudo certo para você, meu filho
            - Obrigado pastor, não sei como agradecer!
            - Você não sabe, mas eu sei, venha ao culto para agradecer, pois este emprego já é seu!
            No outro dia às cinco da manhã, Orestes foi à Rodoviária e tomou o ônibus para a cidade sede da empresa, dentro do ônibus uma hesitação tomou conta de seu coração e uma pergunta ecoava em sua mente: Será que vai dar certo? A paisagem ia passando, uma imensa plantação de alface, granjas, vendedores de banana ouro na beira da pista até que o ambiente urbano-rural mudou para florestas ralas, rios de águas azuis, pequenas pontes e um asfalto negro e liso, bem cuidado das estradas do sudeste.
            As nove ele chegou até a sede da empresa, lá a grata surpresa, não havia testes, provas ou fichas excludentes, José Mangabeira, seu amigo de longa data, já havia dado todas as coordenadas para contratá-lo, com salário cheio e tudo, isto significava que ele já começaria recebendo o mesmo que um operário de quatro anos de empresa. Ao ver o amigo, muito bem vestido ele perguntou:
            - Oh Zé! Foi você quem fez tudo isto por mim?
            - Claro companheiro, amigo é para estas coisas.
            A história que unia os dois era algo muito bonito, Zé Mangabeira era um cearense que foi para São Paulo em busca de melhores dias, não tinha especialização e foi trabalhar como servente de pedreiro na mesma empresa que Orestes, este último baiano.  Os dois ficaram muito amigos, mas foi numa sexta-feira perto de irem embora que a vida dos dois ficou mais junta pelos laços do respeito humano. No décimo andar um pedreiro estava fazendo a colocação de tijolos, um deles escapou após um espirro inesperado, o uso de capacete não era uma exigência naquela época e a velocidade do objeto só aumentava, em seu trajeto o artefato bateu na quina de um baldrame e Orestes ouviu, sem maiores cuidados ele empurrou seu amigo com toda a força, alguns milésimos depois o tijolo esfarelou no chão e ainda pegou no solado da bota de Mangabeira.        Não é necessário dizer que os dois viraram grandes amigos, num belo dia Zé Mangabeira saiu da empresa e foi trabalhar nesta empresa de autopeças, fez curso técnico, adaptou-se bem as regras da companhia e conseguiu ser um de seus funcionários principais. Neste período Orestes também conseguiu um emprego numa indústria e fez um curso de soldador ficou na empresa por dois anos. Após a morte de seu Armênio, os filhos conseguiram levar o nome da firma para o lixo e os empregados foram demitidos, o dinheiro da indenização foi rareando e Orestes veio a ficar numa pior.
            Mangabeira não sabia como retribuir por sua vida que foi salva pelo amigo, todas as vezes que ligava para algum conhecido que morava próximo a Orestes este dizia que tudo ia bem, mas depois de três anos sem ligar ele resolveu arriscar outra vez; o telefone tocou e Raimundo Melo atendeu. Raimundo Melo estava atrás de Orestes quando este achara a moeda de cinqüenta centavos, como estava nas costas do homem não notou que era o antigo amigo de trabalho. Ele entrou na mesma padaria e viu quando o homem só comprou o que a moeda dava, ele conseguiu perceber que a situação de Orestes não era das melhores até esboçou uma tentativa de ajudá-lo, mas foi chamado por alguém na padaria e perdeu o amigo de vista. Ao telefone ele relatou a situação de Orestes e Mangabeira não perdeu tempo, mandou chamá-lo para trabalhar na empresa, Melo achou todos os dados de onde Orestes morava, números de telefone e tudo o mais e o emprego do pai de família estava garantido.
            No seu segundo dia naquele local tudo foi definido e a carteira de Orestes já havia sido assinada ele recebeu um tíquete para almoçar num lugar próximo a empresa, o restaurante era grande, mas um casal chamava a atenção, o homem beijava a mulher de forma pouco contida e ela também não parecia preocupada com nada e sedia aos seus avanços, na mesa várias cervejas e num dado momento aquele homem fez menção de sair para ir ao banheiro, ele teria que se virar de frente e passar próximo a Orestes, neste momento o novo trabalhador da fábrica de autopeças tomou o maio susto de sua vida, quem estava a sua frente era Romeu, seu cunhado. O homem corou, perdeu o rebolado desviou de caminho pegou a mulher e foi embora.
            Orestes era muito apegado a sua irmã não imaginava que aquele homem estivesse fazendo aquele tipo de papel com ela, eles não se davam muito bem, porque o homem simples e trabalhador nunca conseguiu nada na vida, Romeu não queria que seus filhos freqüentassem a casa de seu cunhado e considerava-se superior a ele. Naquele dia a casa caiu para Romeu, ele pensou que sua vida havia acabado, Orestes terminaria com tudo... Mas!
            Quem era Orestes, um nada! Pensou Romeu e uma idéia funesta surgiu-lhe a mente, se ele falasse com sua mulher tudo estaria perdido. Ele pegou seu celular e ligou para Hornivaldo  Matias, o caso era simples, cinco mil por um serviço rápido, Romeu era um homem não muito cristão, mas agora ele chegara ao fundo do poço de sua vida. Ele sabia que Orestes não contaria algo daquela magnitude (sua traição) por telefone, então procurou saber se Orestes viria àquela cidade novamente, a resposta foi não. Sabendo que seu cunhado começaria a trabalhar no dia seguinte a trezentos quilômetros de distância deu todas as coordenadas ao matador de aluguel que faria um serviço rápido e sem pistas.
            Em sua casa, antes do dia em que começaria no novo emprego Orestes resolveu ir a Igreja, o pastor Gonçalves deu-lhe a oportunidade para contar o testemunho de como Deus o abençoara e todos ficaram impressionados. Deus havia feito tudo de forma tão bela. Sem querer nem dormir Orestes despertou no outro dia às cinco da manhã fez sua oração despediu-se de sua mulher e foi para o seu novo emprego, ele não havia contado nada do que ocorreu com seu cunhado, este era outro tipo de comportamento que talvez viesse e lhe prejudicar, pois seu cunhado apostara nesta atitude também.
            O horário escolhido era o do almoço, antes de ir ao restaurante em que todos os operários faziam suas refeições Orestes resolveu dar uma volta no quarteirão para soltar um pouco os nervos. A rua em que ele estava andando era uma ladeira e ao lado havia uma casa com um muro elevado, um disparo foi ouvido ele partira de um veículo que estava a uns vinte e cinco metros de distância. O sangue jorrou e cobria a calçada a agonia tomava conta do local a mulher dona da casa começou a gritar:
                        - Valente, Valente, meu Valente!
            O que aconteceu? Este seria um novo apelido de Orestes? Não!
            Na hora em que mirava e apertava o gatilho Hornivaldo não contava com a sorte de Orestes ele viu uma moeda de cinqüenta centavos na calçada e abaixou-se rapidamente para pegá-la, o disparo acertou o poodle da mulher dona da casa. O carro saiu em alta velocidade e o trabalho deixou de ser feito. Em toda sua vida o matador de aluguel nunca havia errado antes, mas uma moeda de cinquenta centavos teve o valor maior do que os cinco mil que seria o preço pela vida do trabalhador que só queria dignidade para sua família. Bastante assustado e com a moeda no bolso Orestes voltou ao trabalho imaginando quem poderia ter feito tal ação, revirou sua mente e chegou a conclusão de que o único que poderia ter este tipo de idéia seria seu cunhado, embora relutasse em crer nisto.
            Hornivaldo, depois de errar pela primeira vez um alvo, foi buscar seu mandante, ele já havia recebido o valor do trabalho antecipadamente, Romeu acabou gostando do resultado da ação e não fez questão do valor. Hornivaldo acabou preso por outros crimes, e, na prisão morreu atingido por uma barra de ferro numa rebelião. Orestes resolveu não falar nada à sua irmã, ela acabou descobrindo sozinha os maus feitos do marido, o que não pode tolerar devido ao tempo que ele já fazia esta prática. Separado de sua esposa Romeu começou a abusar de bebidas, perdeu a posição que tinha na empresa e depois de dois anos começou andar pelas ruas da cidade como andarilho.
            Um dia Orestes estava caminhando pelas ruas do centro, um mendigo o abordou e lhe pediu uma esmola, ele pegou três moedas de 50 centavos e as deu para o infeliz, após andar uns vinte metros Orestes olhou para trás, aquele homem sujo e barbudo lembrava muito o seu cunhado. Passada a impressão ele seguiu o seu caminho, sua vida nunca mais voltou a ser um caos, os centavos continuavam sendo valorizados por ele que teve a sua  salva por valorizar as pequenas coisas do dia a dia.

História de Haroldo Ribeiro

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