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quarta-feira, 26 de junho de 2013

Quem peidou no ônibus?

           

              Todas as segundas são a mesma coisa,
milhares de pessoas nas ruas esperam seus respectivos ônibus para irem ao trabalho, nesta batalha ganha quem pega o coletivo próximo ao primeiro ponto, a partir do terceiro a sorte muda e sentar fica praticamente impossível, assim até o fim do ano tem gente que não consegue em praticamente nenhuma viagem um lugar para sentar.
            São várias as figuras que ocupam o  veículo, o estudante dorminhoco, a secretária perfumada, o comerciante que não conseguiu decolar na vida, o evangélico falante, a empregada doméstica, o policial sem farda, na grande maioria gente trabalhadora em busca de melhores oportunidades na vida.
            Nas viagens demonstram-se as ultimas tendências da moda periférica, o celular ajeitado rápido nas mensagens de texto e nos games, os livros, um aqui outro acolá, uma apostila de faculdade, um panfleto bíblico, bonés, dependendo do dia, óculos escuros. Os solavancos do veículo nas saídas, o barulho do freio rangendo, tudo faz parte do mundo dos coletivos de inúmeras cidades do Brasil.
            Aquela segunda-feira foi diferente para muitos, na porta da frente, próxima ao motorista, que agora não conta mais com a ajuda do cobrador, uma moradora de rua subiu, ela falava muito, não se importava com que os outros pensavam dela, mais na frente uma mulher de meia idade deixava ver um pequeno trecho de seu sovaco, o mesmo estava cabeludo, coisa fora de moda nos dias atuais. Mais para o meio do coletivo, próximo à porta equipada para deficientes tinha um senhor de uns cinqüenta anos, careca, aquele tipo de careca de roduleiro, parecido com um monge capuchinho, mas um detalhe era intrigante, o que lhe faltava de cabelos na cabeça ele os tinha na entrada do ouvido, era uma verdadeira floresta, coisa de cinema, mas no fundo um moço novo, de seus dezoito anos ria de vez em quando com a fala de um amigo seu espremido na multidão que dizia algumas peripécias dando lugar as gargalhadas, quando o rapaz sorria seu dente totalmente cariado aparecia.
            O resto dos passageiros parecia de gente que passaria imperceptível em qualquer coletivo da terra descoberta por Cabral. Num determinado momento algo muito ruim aconteceu no ônibus lotado, era quase sete horas e trinta da manhã, do lado de fora uma chuva envolvia a paisagem sem ser convidada, a calha que serviria de proteção para que o grosso dos pingos não invadisse o coletivo estava danificada, quem quisesse abrir as janelas levaria uma chuva daquelas, em razão disto todas as janelas estavam hermeticamente fechadas, para completar o quadro sombrio as ventoinhas de teto estavam todas desligadas fazendo que em poucos minutos o ar respirado fosse compartilhado por todos.
            Quando a porta abria e um passageiro subia ou descia, um alívio invadia o ônibus lotado, ao se fechar o suplício começava novamente. Guarda-chuvas pingando erguidos acima da cabeça, aqueles pequenos, retráteis pingavam as gotas nas cabeças dos infelizes membros da sociedade coletiva dentro da lata de sardinhas.
            Num determinado ponto o coletivo ganhava velocidade, de um ponto a outro havia mais de quatro minutos de aceleração total, foi exatamente neste ponto que o fato ocorreu, ninguém sabe de onde veio a má notícia, um fato abalou os nervos e estrutura de todos os que estavam no transporte popular. Não havia como saber quem foi. As carteiras, algumas recheadas de dinheiro miúdo estavam nos bolsos, os celulares nervosos em movimento frenéticos em baixo de dedos ágeis, olhos piscantes e sonolentos denunciavam a falta de uma noite de sono completo.
            Ele saiu baixo, não fez ruído, foi deixando sua morada cremosamente no meio da multidão apertada subiu como uma névoa, um vapor incolor, porém não inodoro, era ele, conhecido nacionalmente como peido, bufa ou pum, também chamado pela ciência como gases, terrível! O cheiro foi dominando o coletivo, uma criança de oito anos foi a primeira que reclamou:
- Mãe, que cheiro de peido!
- Foi algum mal educado, filho!
            Uma senhora de idade começou a abanar freneticamente um lenço tentando escapar dos danos permanentes daquele ataque aos narizes mais sensíveis. Não demorou e o odor chegou a frente do ônibus, o motorista abriu um pequena janela por onde uma onda de muita água invadiu o veículo que estava mais apressado.
            Alguns já olhavam desconfiados para a moradora de rua que subira a poucos pontos, só poderia ser ela, quem mais? De repente uma voz cortou o silencio e disse:
- Olhe só, eu quero saber quem foi este que soltou este miserável pum dentro desse ônibus, se ele estivesse vazio eu ia cheirar o rabo de cada um até descobrir quem foi o infeliz e bater nele até ele virar manteiga.
            Um homem cortou a fala daquela senhora paraibana e rebateu:
- Minha senhora, a senhora fala como que se quem peidou fosse homem, não se esqueça que mulher também peida viu? – Na frente do ônibus uma garota inconformada afirmou:
- Eu acho que o maldito saiu aqui da frente, pois o cheiro começou por aqui.
            Num dado momento o motorista tomou uma atitude radical, tudo indicava que o passageiro ou passageira ainda estava soltando seus gases infelizes; ele parou o coletivo no acostamento e disse:
- Pessoal, eu dirijo este ônibus há mais de vinte anos e nunca senti um cheiro tão infame como deste peido, por favor quem soltou este peido dos infernos, ou saia do meu ônibus, ou não solte mais.
            O veículo voltou a andar e tudo parecia que ia correr bem quando novamente aquele cheiro insuportável retornou aos narizes de todos. Alguns pontos depois uma mulher desceu com sua filha, no caminho a menina disse:
- Ei mãe, ainda bem que a gente saiu daquele ônibus, eu não agüentava mais!

- Eu também minha filha, preciso ir urgentemente ao banheiro.

Haroldo Ribeiro
imagem: desciclopedia.ws

Um comentário:

  1. Peido em ônibus ou metrô lotado é o fim da picada, principalmente se tiver ar condicionado, porque o fedor fica circulando em vez de sair pelas janelas. Mas às vezes não dá pra segurar o pum, aí dane-se o nariz alheio. E se tiver um velho ou um gordo por perto é sempre olhado como suspeito, olha aí o preconceito.

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