Todas
as segundas são a mesma coisa,
milhares de pessoas nas ruas esperam seus
respectivos ônibus para irem ao trabalho, nesta batalha ganha quem pega o
coletivo próximo ao primeiro ponto, a partir do terceiro a sorte muda e sentar
fica praticamente impossível, assim até o fim do ano tem gente que não consegue
em praticamente nenhuma viagem um lugar para sentar.
São
várias as figuras que ocupam o veículo,
o estudante dorminhoco, a secretária perfumada, o comerciante que não conseguiu
decolar na vida, o evangélico falante, a empregada doméstica, o policial sem
farda, na grande maioria gente trabalhadora em busca de melhores oportunidades
na vida.
Nas
viagens demonstram-se as ultimas tendências da moda periférica, o celular
ajeitado rápido nas mensagens de texto e nos games, os livros, um aqui outro
acolá, uma apostila de faculdade, um panfleto bíblico, bonés, dependendo do
dia, óculos escuros. Os solavancos do veículo nas saídas, o barulho do freio
rangendo, tudo faz parte do mundo dos coletivos de inúmeras cidades do Brasil.
Aquela
segunda-feira foi diferente para muitos, na porta da frente, próxima ao
motorista, que agora não conta mais com a ajuda do cobrador, uma moradora de
rua subiu, ela falava muito, não se importava com que os outros pensavam dela,
mais na frente uma mulher de meia idade deixava ver um pequeno trecho de seu sovaco,
o mesmo estava cabeludo, coisa fora de moda nos dias atuais. Mais para o meio
do coletivo, próximo à porta equipada para deficientes tinha um senhor de uns
cinqüenta anos, careca, aquele tipo de careca de roduleiro, parecido com um
monge capuchinho, mas um detalhe era intrigante, o que lhe faltava de cabelos
na cabeça ele os tinha na entrada do ouvido, era uma verdadeira floresta, coisa
de cinema, mas no fundo um moço novo, de seus dezoito anos ria de vez em quando
com a fala de um amigo seu espremido na multidão que dizia algumas peripécias
dando lugar as gargalhadas, quando o rapaz sorria seu dente totalmente cariado
aparecia.
O
resto dos passageiros parecia de gente que passaria imperceptível em qualquer
coletivo da terra descoberta por Cabral. Num determinado momento algo muito
ruim aconteceu no ônibus lotado, era quase sete horas e trinta da manhã, do
lado de fora uma chuva envolvia a paisagem sem ser convidada, a calha que
serviria de proteção para que o grosso dos pingos não invadisse o coletivo
estava danificada, quem quisesse abrir as janelas levaria uma chuva daquelas,
em razão disto todas as janelas estavam hermeticamente fechadas, para completar
o quadro sombrio as ventoinhas de teto estavam todas desligadas fazendo que em
poucos minutos o ar respirado fosse compartilhado por todos.
Quando
a porta abria e um passageiro subia ou descia, um alívio invadia o ônibus
lotado, ao se fechar o suplício começava novamente. Guarda-chuvas pingando
erguidos acima da cabeça, aqueles pequenos, retráteis pingavam as gotas nas
cabeças dos infelizes membros da sociedade coletiva dentro da lata de
sardinhas.
Num
determinado ponto o coletivo ganhava velocidade, de um ponto a outro havia mais
de quatro minutos de aceleração total, foi exatamente neste ponto que o fato
ocorreu, ninguém sabe de onde veio a má notícia, um fato abalou os nervos e
estrutura de todos os que estavam no transporte popular. Não havia como saber
quem foi. As carteiras, algumas recheadas de dinheiro miúdo estavam nos bolsos,
os celulares nervosos em movimento frenéticos em baixo de dedos ágeis, olhos
piscantes e sonolentos denunciavam a falta de uma noite de sono completo.
Ele
saiu baixo, não fez ruído, foi deixando sua morada cremosamente no meio da
multidão apertada subiu como uma névoa, um vapor incolor, porém não inodoro,
era ele, conhecido nacionalmente como peido, bufa ou pum, também chamado pela
ciência como gases, terrível! O cheiro foi dominando o coletivo, uma criança de
oito anos foi a primeira que reclamou:
- Mãe, que cheiro de peido!
- Foi algum mal educado, filho!
Uma
senhora de idade começou a abanar freneticamente um lenço tentando escapar dos
danos permanentes daquele ataque aos narizes mais sensíveis. Não demorou e o
odor chegou a frente do ônibus, o motorista abriu um pequena janela por onde
uma onda de muita água invadiu o veículo que estava mais apressado.
Alguns
já olhavam desconfiados para a moradora de rua que subira a poucos pontos, só
poderia ser ela, quem mais? De repente uma voz cortou o silencio e disse:
- Olhe só, eu quero saber quem
foi este que soltou este miserável pum dentro desse ônibus, se ele estivesse
vazio eu ia cheirar o rabo de cada um até descobrir quem foi o infeliz e bater
nele até ele virar manteiga.
Um
homem cortou a fala daquela senhora paraibana e rebateu:
- Minha senhora, a senhora fala
como que se quem peidou fosse homem, não se esqueça que mulher também peida
viu? – Na frente do ônibus uma garota inconformada afirmou:
- Eu acho que o maldito saiu aqui
da frente, pois o cheiro começou por aqui.
Num
dado momento o motorista tomou uma atitude radical, tudo indicava que o
passageiro ou passageira ainda estava soltando seus gases infelizes; ele parou
o coletivo no acostamento e disse:
- Pessoal, eu dirijo este ônibus
há mais de vinte anos e nunca senti um cheiro tão infame como deste peido, por
favor quem soltou este peido dos infernos, ou saia do meu ônibus, ou não solte
mais.
O
veículo voltou a andar e tudo parecia que ia correr bem quando novamente aquele
cheiro insuportável retornou aos narizes de todos. Alguns pontos depois uma
mulher desceu com sua filha, no caminho a menina disse:
- Ei mãe, ainda bem que a gente
saiu daquele ônibus, eu não agüentava mais!
- Eu também minha filha, preciso
ir urgentemente ao banheiro.
Haroldo Ribeiro
imagem: desciclopedia.ws
Peido em ônibus ou metrô lotado é o fim da picada, principalmente se tiver ar condicionado, porque o fedor fica circulando em vez de sair pelas janelas. Mas às vezes não dá pra segurar o pum, aí dane-se o nariz alheio. E se tiver um velho ou um gordo por perto é sempre olhado como suspeito, olha aí o preconceito.
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